Jornal "Alto Alentejo", 15 de Outubro de 2008/REPORTAGEM INDEPENDENTE SOBRE OLIVENÇA
Data: Fri, 17 Oct 2008 13:04:55 +0100 [13:04:55 WEST]
De: carlosluna@iol. pt
Para: (ARTIGO MUITO INTERESSANTE, QUE REVELA ASPECTOS CURIOSOS. ALGUNS PEQUENOS ERROS
NÃO PÕEM
EM CAUSA O CONJUNTO. OS "REPAROS" QUE SÃO FEITOS NO FINAL NÃO PASSAM DE UMA ANÁLISE
PESSOAL, QUE NÃO VISA OFENDER A AUTORA OU AS SUAS INTENÇÕES!; ass. Carlos Luna)
DIVERSOS
OLIVENÇA ESPANHOLA... E PORTUGUESA
Sara Rodriguéz Romo
(fotografias, pequenas, dos entrevistados, e uma, maior, com a Igreja de Santa Maria
Madalena)
A vida de Olivença tem sido muito mexida. Ora espanhola, ora portuguesa (1), o vaivém
da cidade só parou em 1801. Nessa altura Godoy, apoiado por Napoleão, conquistou-a aos
portugueses. Desde então ambos os países reclamam-na.
E os oliventinos? Eles querem esuqecer estas questões de posse. Agora, o que é
importante é o seu património único, nascido da pegada que os dois países deixaram
aqui. (2)
Quem é que tem razão? Em 1801 assinou-se um tratado, o de Badajoz, pelo quual
Portugal reconhecia Olivença como espanhola. Mas depois, com a queda de Napoleão, o
Congresso de Viena declarou que todas as conquistas feitas pelo imperador francês ou
pelos seus aliados deviam voltar à sua situação inicial. Entre elas Olivença. Que fazer?
Para o Dr. Carlos R. Fernández Liesa, Professor de Direito Internacional Público da
Universiidade Carlos III de Madrid, neste momento, a Questão de Olivença já não deve
constituir um foco de tensão nas relações hispano-lusas. «Segundo as leis do Direito
Internacional, o prazo para reclamar Olivença já passou» (3). Mas o Ministério dos
Negócios Estrangeiros não acha o mesmo. Ele acredita que essa lei não é nítida, e que não
diz exactamente quanto tempo énecessário. Para além disso, os portugueses nunca aceitram
a soberania espanhola. Os espanhóis retorquem que 200 anos são mais do que suficientes
(4).
"Mas por quê persistir nessa questão?" pergunta Miguel Ángel Vallecillo, oliventino,
professor de História e arqueólogo. "Isso só está a fazer dano às relações entre Espanha
e Portugal (5). O que tem de interessar é a diversidade cultural, que esta cidade tem,
graças ao património que os dois países deixaram nela».
Efectivamente, o património oliventino é muito rico. A mistura hispano-lusa dá-se a
todos os níveis (2).
Na arte, como exemplo de convivência entre as duas culturas, estão as duas igrejas
principais. Elas foram feitas praticamente na mesma altura, no século XVI: a Igreja de
Santa Magdalena e a Igreja de Santa Maria da Assunção (ou do Castelo). A primeira é obra
de D. Manuel I. Nessa altura Portugal era o dono dos mares, e isso fica demonstrado na
riqueza do monumento. No entanto, a outra igreja, construída em tempos de Filipe II,
possui um estilo mais austero (6). O rei teve de lidar em muitas guerras e não podia
destinar muito dinheiro à arte.
As tradições são outro caompo de diversidade cultural. Nas procissões da Semana Santa
misturam-se os dois tipos. Em Espanha é típica a "procissão dos nazarenos", onde os fiéis
levam um carapuço. Pela parte portuguesa há outras duas: a procissão da Santa Casa da
Misericórdia, onde os participantes levam a cabeça descoberta, e a Procissão das Chagas,
ou do Senhor dos Passos. Os passos são em realidade cinco altares espalhados pelo centro
de Olivença, que representam em Azulejos (ainda outra particularidade portuguesa) o
percurso do Senhor até o Calvàrio. Aliás, esse itinerário terminava numa Igreja, a do
Calvàrio, hoje desparecida e que estava junto à da porta que tem o mesmo nome.
Na gastronomia, os oliventinos combinam as "lentejas" (lentilhas) como o arroz de
Carnaval (que leva chouriço e "cotubillo"[costeletas de porco, em oliventino]). Nas
matanças do porco há uma especialidade oliventina, a "morcilla" de sábado. É feita de
gordura, bofe (pulmões do porco), fígado, esófago e estômago, tudo misturado com sangue.
Uma das coisas que mais choca o visitante é o dialecto dali: o oliventino, uma
mistuira das duas línguas. Algumas palavras como jimao (presunto em português e "jamón"
em espanhol); gafañoto (gafanhoto em português e salta-montes em espanhol). O mesmo se
passa com os apelidos: portugueses, espanhóis ou espanholizados mistura~-se numa
algazarra: Pereira e Perera, Vas e Vaz, Píriz e Pires, etc..
E não só. Mesmo nas pessoas vê-se essa mistura. Elas seriam um exemplo do protótipo
ibérico.
Maria Señorón é filha de uma portuguesa de Juromenha e de um espanhol de Villarreal.
Tem 91 anos e passa perfeitamente de uma língua para a outra. «Espanhola ou Portuguesa?
Eu sinto-me como dizem naquele cantar: "as raparigas de Olivença não são como as demais/
porque são filhas de Espanha e netas de Portugal».
Ángela González Acosta, reformada, tem 57 anos. Ela pertence à última geração
perfeitamente bilingue da zona. Nenhuma das duas sabe dizer muito bem como é que Olivença
passou a ser espanhola. «Mas eu quero ser espanhola, eu já não quero mudar».
Jaime Fuentes, 36 anos, bombeiro: «Os Oliventinos não sabem muito da sua História. Mas
é claro que temos muitos laços especiais com os portugueses. Elvas e Olivença são cidades
irmãs, e fazem muitos eventos conjuntamente. Eu vou lá muitas vezes. Toda a gente aqui
percebe o Português. É pena que já estejamos a perdê-lo, já não o falamos como os nossos
pais».
Joaquin Fuentes, 66 anos, professor reformado; ele conhece a História, e acusa os dois
governos. O espanhol de egoísmo e o português de moleza. E agora já é tarde demais. "200
anos depois, os oliventinos habituaram-se a ser espanhóis, e já não querem mudar" (7).
Feliciano Vaquerizo, 45 anos, dentista.
«Já passou muito tempo. Se agora fizerem um referendo, acho que noventa e tal por
cento havia de votar para ficar espanhol» (7).
Mas, se calhar, a melhor solução é aquela que a Rosa aponta.
Rosa, 28 anos, enfermeira.
«Eu acho que sou espanhola. Mas também me interesso muito pelo Português. Os meus
avós eram dali, e eu falo um bocadinho também. Quase toda a gente aqui está na mesma
situação que eu. Por isso acredito que o melhor seria uma dupla nacionalidade, ou algo
parecido. Assim todos os problemas ficariam resolvidos (8)!».
É este o espírito que faz com que Olivença seja tão particular: esta combinação
hispano-lusa.
A caminhar pelas ruas vê-se o legado artístico que os dois países deixaram aqui.
Ouve-se a gente falar com aquele sotaque que é uma mistura do espanhol e do português. O
importante não é estar a brigar por problemas tão antigos. O impostante é tratar de
preservar esta particularidade, para que não desapareça. E para isso precisa-se de
cooperação entre Espanha e Portugal, da sua ajuda conjunta.
Olivença, um laço de união entre os ibéricos (9)?
Sara Rodriguéz Romo
__________________________
(1) Esta imagem de uma Olivença que mudou várias vezes de soberania não corresponde à
verdade histórica. A cidade, como outras praças fronteiriças (Elvas e Campo Maior, por
exemplo), sofreu ataques ao longo da História, mas a soberania não mudou. Este argumento
é usado pela historiografia espanhola para justificar a mistura de culturas que hoje se
vê em Olivença e para a apresentar como "natural" e com "antecedentes históricos".
(2) Um erro leva a outro. Como se verificará no próprio artigo, no Património NÃO HÁ UM
ÚNICO MONUMEMTO ESPANHOL!
(3) Não existe, no Direito Internacional, a noção de prescrição (prazo ultrapassado),
pois, a existir, qualquer país ocuparia territórios vizinhos pela força e deixaria passar
um tempo determinado para que tal ocupação se tornarsse "legal". E... o mesmo Carlos
Fernández Liesa, sobre Gibraltar, reclamada por Espanha à Grã-Bretanmha DESDE 1704
(apesar dos acordos assinados), já considera que Madrid tem razão....
(4) Pelos vistos, paras os es+panhóis, esta ideia NÃO se aplica a Gibraltar, reclamada por
eles há mais de 300 anos!
(5) Miguel Ángel Vallecillo é o maior historiador actual de Olivença. Todavia, esquece-que
que o que causa "estragos" à relação Portugal-Espanha é a não-resolução do diferendo de
forma civilizada. Esquece-se que Portugal não pode abdicar de Olivença, pois a posse das
águas do Alqueva está ligada a essa questão.
(6) Na verdade, a Igreja de Santa Maria do Castelo está construída segundo os cânones
portugueses. Por etsa lógica, todas as igrejas construídas em Portugal no tempo dos
"Filipes", e foram muitas, seriam igrejas espanholas, o que não é verdade.
(7)É evidente que o tempo mudou/moldou a maneira de pensar, nomeadamente ao incentivar-se
o esquecimento ou a ignorância da História. É curioso que se fale em respeitar as
vontades num referendo, quando Madrid se nega a aceitar a vontade de 99% dos gibraltinos,
que votaram em permanecer britânicos. Por outro lado, até cerca de 1930, a Espanha
negava-se a fazer um referendo em Olivença sempre que grupos de portugueses o propunham!
(8) Notável abertura de espírito na pessoas MAIS JOVEM ENTRE OS ENTREVISTADOS!
(9) A ideia só poderá ser posta em prática com grandes mudança. A situação actual, com a
continuação do fomento da ignorância histórica e outros factores, é pouco propícia para
Olivença servir de laço de união. Seria como propor a Madrid que aceitasse a Gibraltar
actual como laço de união entre Espanha e Inglaterra.
... (ver texto completo)